LIVRO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS
1ª Parte
INTRODUÇÃO
O livro dos Atos dos Apóstolos segue os
quatro Evangelhos. Estes apresentam a Pessoa e a Missão de Jesus vistas de
quatro maneiras distintas: conforme Mateus, Marcos, Lucas e João. O livro dos
Atos é uma apresentação literária que vamos chamar de "teológica".
Isto significa que a narração nestes textos é feita em roupagem ou linguagem de
teologia, desenvolvendo temas teológicos. Quando se conta um fato, ele é visto
sempre sob este aspecto: teológico. O livro dos Atos dos Apóstolos é,
também, da mesma índole: conta uma história narrada com elementos teológicos
que tem um objetivo muito específico: apresentar os acontecimentos posteriores
àqueles que os quatro Evangelhos contaram, não de modo a formar uma biografia,
mas demonstrando a ação de Deus nas pessoas, acontecimentos e no tempo.
No livro Atos dos
Apóstolos há muitos elementos redacionais que dão continuidade temática
especialmente ao Evangelho segundo Lucas. Aliás, este Evangelho e
o livro dos Atos são considerados como duas partes de uma única obra. A
continuidade entre eles evidencia as intenções do autor, seu método e alguns resultados
que correspondem sempre ao projeto literário e teológico.
São contadas, no
livro dos Atos dos Apóstolos, a história dita teológica e catequética da
Igreja das origens: suas tendências, dificuldades, erros, acertos e
acontecimentos mais relevantes. O texto está dividido em duas grandes partes
que se interligam. Uma centraliza a figura de Pedro e os fatos relevantes
ocorridos em Jerusalém e arredores. A outra centraliza a figura de Paulo e os
fatos ocorridos especialmente no mundo pagão.
O livro dos Atos
dos Apóstolos é uma continuação narrativa e teológica do que antes o Evangelho
segundo Lucas havia começado a apresentar e declarar: o Reino de Deus está
presente no mundo.
Após essa introdução
aos conceitos principais da disciplina, apresentaremos a seguir, algumas
orientações de caráter motivacional, dicas e estratégias de aprendizagem que
poderão facilitar o seu estudo.
Abordagem Geral
Neste tópico,
apresenta-se uma visão geral do que será abordado. Aqui, você entrará em
contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá
a oportunidade de aprofundar essas questões. Desse modo, essa Abordagem
Geral visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do qual você
possa construir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural.
Vamos começar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princípios
básicos que fundamentam esta abordagem.
A Escritura
ou Sagrada Escritura é o livro que conhecemos como Bíblia. Ele é
dividido, como se sabe, em duas grandes partes: o Antigo Testamento e o Novo
Testamento. O Cristianismo, sistema religioso (Religião) formado a partir da
mensagem e identidade de Jesus Cristo, é herdeiro do Judaísmo. Este tem no
Antigo Testamento uma de suas partes mais fundamentais e constitutivas. O
Cristianismo herdou este Antigo Testamento como sua história e teologia
fundamental, mas deu um passo muito importante: aceitou a Pessoa e a Missão de
Jesus Cristo como plenitude ou grande conclusão e complementação do que antes o
Judaísmo seguia. Por isso, enquanto a Bíblia dos Judeus apresenta apenas o que
se reconhece no Cristianismo como Antigo Testamento, a Bíblia dos Cristãos
apresenta o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Este último é centralizado
na Pessoa e Missão de Jesus Cristo, mas apresenta também outros elementos que
compõem um rico quadro de conceitos, propostas, fatos, pessoas e outros
elementos.
O livro de Atos
dos Apóstolos ocupa um lugar privilegiado no Novo Testamento. Como já
falamos, ele tenta demonstrar como a Igreja, grupo dos Apóstolos e discípulos
de Jesus Cristo começaram a fazer sua própria história. Esta história, também
já indicamos há pouco, é fundamentalmente teológica, isto é, tenta demonstrar a
ação de Deus nas pessoas, nos fatos, nos caminhos que vão sendo aos poucos
trilhados.
Neste ponto, o livro de Atos dos Apóstolos
tem uma notável importância – é o testemunho escrito de um tríplice fenômeno. Primeiro:
é a narração (sempre com o acento teológico!) dos primeiros passos dos
seguidores de Jesus logo depois de sua partida desde mundo. Segundo: é a
crescente percepção de que o fim da história humana não era algo iminente, mas
que a própria história havia adquirido um sentido novo para os Judeus,
seguidores da Torah ou Lei de Moisés e das palavras dos Profetas. Este sentido
novo era a aceitação de Jesus Cristo como alguém especial e que redimensionava
a própria história: ele era o Messias. Os Judeus deveriam compreender isso. Terceiro:
esta nova situação não era para ser experimentada apenas pelos Judeus, mas por
todos os que desejam ser fieis ao chamado de Deus.
O
leitor do livro de Atos dos Apóstolos vai descobrir, neste fenômeno de
três vertentes, como que a percepção da ação de Deus na história vai crescendo.
Alguns vão compreendendo e também crescendo; outros não conseguem compreender
os novos caminhos e se fecham. Tanto uns como outros receberam o anúncio de
quem revela caminhos e propõe o futuro. Mas nem todos aceitaram do mesmo modo.
Houve até contradições e perseguições mútuas, o que somente pode ser entendido
a partir de limites de visão e falta de diálogo.
Atos dos Apóstolos é um texto muito interessante para a leitura. Nele encontram-se alguns
personagens decisivos na história do Cristianismo. Às vezes, é difícil entender
no texto de Atos como e porque houve tantas divergências entre eles. O
estudo do texto de Atos poderá lançar luzes sobre isso. Em Atos pode-se
observar as tendências fundamentais do Cristianismo nascente e a capacidade de
assimilar, distinguir, superar desafios. No texto de Atos são apresentados os
passos iniciais da experiência e proposta religiosa que vai, com o passar do
tempo, expandir-se pelo mundo e determinar até a identidade de culturas e
povos. A disciplina visa propor alguns dados para que o leitor compreenda isso.
O que mais se deseja
nesta explicação é que o leitor saiba fazer a intertextualidade do texto de Atos
dos Apóstolos com os Evangelhos Canônicos, as Cartas do Novo
Testamento e outros textos antigos. Depois deste passo, pode-se também
fazer a leitura do momento presente e da história à luz das tendências já
expostas no texto de Atos. O que mais chama a atenção é a atualidade do texto e
de suas propostas.
Esta explicação,
dividida em quatro tópicos, abordará fundamentalmente a teologia de Atos dos
Apóstolos; elementos textuais e literários do livro; figuras importantes e
seus papéis dentro do texto e do contexto histórico; momentos importantes e que
decidiram o que se viveu depois daqueles tempos. Três assuntos serão amplos: os
personagens Pedro e Paulo; as viagens missionárias de Paulo; a identidade do
Cristianismo nascente.
Glossário de Conceitos
O Glossário de
Conceitos permite a você uma consulta rápida e precisa das definições
conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio dos termos técnico-científicos
utilizados na área de conhecimento dos temas tratados na explicação de Atos
dos Apóstolos. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:
1)
Apóstolo/s.
Seguidor de um personagem e enviado por este
mesmo personagem. A rigor, a palavra quer dizer "enviado". Mas para
ser enviado alguém precisa aprender, seguir. Vem assim a palavra discípulo, que
é seguidor.
2)
Jesus
Cristo. Figura histórica de notável
importância por conta da experiência religiosa dele nascida, o que se
chama de "Cristianismo". O livro de Atos dos Apóstolos é a
tentativa de apresentar esta experiência de seguimento de Jesus Cristo no grupo
de discípulos e apóstolos, mas sem a presença física, visível do mesmo Jesus
Cristo.
3)
Querigma
e Catequese. Dois conceitos
importantes para a compreensão do texto de Atos dos Apóstolos e de
grande parte da Escritura. O querigma é o anúncio; "falar em voz
alta", propor algo importante. É uma "propaganda" rápida,
concisa, decidida e direta. O que se anuncia no querigma é a Pessoa e a Missão
de Jesus Cristo. A catequese é o ensino, o caminho de conhecimento do que antes
foi anunciado.
4)
Sagrada
Escritura e Bíblia. A Sagrada Escritura
é o conjunto de livros que compõem o patrimônio literário e de fé do
Cristianismo. Ela é, em parte, herdada do Judaísmo. O Cristianismo a
complementa com a Pessoa e a Missão de Jesus Cristo. A Bíblia é o livro
que contém a Sagrada Escritura. O que antes era esparso, contado em partes e
recordado também desta forma, foi reunido em um volume e assim tornou-se
acessível. O livro de Atos dos Apóstolos é parte da Sagrada
Escritura, estando no Novo Testamento, que corresponde às experiências a
partir da Boa Nova (Evangelho) de Jesus Cristo.
5)
Testemunho.
Talvez este seja o conceito mais importante do
livro de Atos dos Apóstolos. O testemunho, palavra que em grego é
"martiria" (vem daí "martírio" e "mártir", que
não tem necessariamente a conotação de sofrimento e morte, mas sim de
demonstração das convicções). Em Atos 1,8 a palavra fundamental, que
será como o projeto literário a ser desenvolvido no texto e projeto teológico a
ser demonstrado no mesmo, é: "mas descerá sobre vós o Espírito
Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em
toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo." Os personagens que
produzem algo novo, que geram história e propõem teologia, em Atos dos
Apóstolos, têm sempre esta tônica: são testemunhas de algo e alguém maior do
que eles, de uma novidade que encanta e arrebata, levando a sempre algo maior.
6)
Viagens
missionárias. Paulo fez três
viagens missionárias. Ele as fez por motivos práticos: visitas às
comunidades, solução de problemas, interesse em difundir o Evangelho (querigma)
e em fazer crescer quem já havia aceito a proposta (catequese). Estas viagens
missionárias expressam bem o sentido que a nova fé proposta por Jesus Cristo e
anunciada e ensinada pelos Apóstolos e discípulos denota: algo sempre a
caminho, sempre no crescendo do conhecimento e adesão. Não é uma experiência
finalizada, mas em construção. Talvez seja por isso que Atos dos Apóstolos não
apresenta um final como seria de se esperar. O texto parece interrompido, no
capítulo 28, com Paulo anunciando (querigma) e ensinando (catequese). Não um
produto final, mas uma etapa feita e outras, muitas outras ainda para iniciar e
desenvolver
LIVRO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS
O livro dos Atos
dos Apóstolos é muito usado nas liturgias de todas as Igrejas cristãs.
Muitos buscam neste livro referências e modelos, bem como princípios e
histórias que animam, iluminam, ilustram e exemplificam.
O motivo fundamental
é que Atos dos Apóstolos, ou simplesmente Atos, serve de modelo
para as comunidades cristãs, pois expressa os primeiros passos do grupo dos
discípulos de Jesus logo após a sua partida deste mundo.
Evangelhos sinóticos
são os três primeiros: Mateus, Marcos e Lucas. São
chamados assim, pois podem ser colocados em colunas paralelas e vistos em
conjunto, em forma de "sinopse" (visão de conjunto). Desse modo, eles
têm muita semelhança entre si. Já João tem um esquema diferente, com um
estilo também próprio. É comum, quando se fala de Evangelhos, determinar se são
os Evangelhos sinóticos (ou simplesmente sinóticos) ou João.
Desse modo, um texto
usado com muita frequência pelas Igrejas é aquele chamado de primeiro
"retrato" da comunidade primitiva, pois "Eles mostravam-se
assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e
às orações" (Atos 2, 42).
É
assim que o autor do livro desejou apresentar às gerações futuras os primeiros
instantes daquela comunidade, e é assim que os grupos cristãos ou Igrejas
desejam ser e viver. Por isso, todos buscam lá, de um jeito ou de outro e em
tempos diversos, ânimo e inspiração.
Assim, Atos
não é apenas um texto de leitura, é, sobretudo, um testemunho da experiência
dos primeiros cristãos logo após a passagem de Jesus e seu mandamento: "[…]
sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a Samaria, e até os
confins da terra" (1,8).
Obs:
"Todas
as vezes em que apresentarmos uma citação bíblica sem a referência ao livro,
saiba que se tratará do próprio livro dos Atos dos Apóstolos".
Contudo, esta
experiência pode ser um pouco idealizada, pois há uma tendência em apresentar a
história de um grupo de um modo ideal, nem sempre real. No entanto, não podemos
entender que os textos bíblicos são invenções ou imposições de alguns
princípios morais; nem são idealizações de pessoas que aos poucos vão se
tornando heróis.
Os textos da Bíblia, tanto do Antigo
Testamento, quanto do Novo Testamento, não são uma ideologia, mas teologia.
Desse modo, isso significa que mais do que apresentar a história de modo
perfeito e as pessoas como heróis, sem defeitos e grandiosos, os textos
bíblicos apresentam a teologia dos fatos e dos personagens, não evitando
apresentar defeitos, erros, dificuldades e pecados.
Diante disso, podemos questionar: que país ou
grupo social tem na sua história oficial heróis que negam valores, que têm
medo, que nem sempre são o que se esperava que fossem? Que história nacional ou
de um grupo conta e apresenta, com todas as cores da alegria e da tristeza,
suas origens e suas quedas? A tendência ou a ideia (e vem daí a palavra e o
conceito "ideologia") é apresentar o bom, o modelo positivo, os atos
de bravura, de virtude ou esperteza de pessoas e grupos, e não as fraquezas, as
quedas, os erros. A Sagrada Escritura ou Bíblia apresenta os personagens de uma
forma totalmente inédita, sem "maquiá-los", mas evidenciando sempre a
ação de Deus neles.
A Bíblia não sendo ideologia, mas "teologia", apresenta uma história na qual o
que interessa é a ligação que tudo e todos têm com Deus. As pessoas são,
algumas vezes, notáveis, grandes e valorosas; mas outras vezes são mesquinhas,
pequenas e frágeis em caráter. Devemos dizer que a Bíblia apresenta a história
de um ponto de vista teológico.
Essa ideia expressa nos faz ver que a Bíblia é
um conjunto de textos de forma e sentido únicos. Isso não somente porque são
inspirados por Deus (conforme a fé das Igrejas), mas porque têm valores, formas
e sentidos que vão além de relatos míticos, supersticiosos ou forçados, feitos
para impressionar.
O livro dos
Atos dos Apóstolos apresenta, de modo teológico, as histórias dos
primeiros passos da Igreja. Não que as coisas sejam inventadas ou
"arrumadas" para que tudo dê certo! Pelo contrário, quase nunca é
como se esperava que fosse… Muitas vezes acontecem fatos inesperados, difíceis
e que, aparentemente, em nada ajudam o desenvolvimento da história. O livro dos
Atos dos Apóstolos apresenta os primeiros anos da Igreja e
especialmente três realidades ou três situações, bem como pessoas:
1)
Em
primeiro lugar, o grupo original dos apóstolos, logo em seguida à partida de
Jesus desta terra;
2)
Em
segundo lugar, a Igreja que se reúne em torno de Pedro, o chefe que deve dar o
rumo para o grupo;
3)
Em
terceiro lugar, a Igreja em torno de Paulo que apresenta uma nova fase do
anúncio sobre Jesus.
Como podemos notar,
embora ele se chame Atos dos Apóstolos, o livro não apresenta os atos de
todos os apóstolos, mas apenas de alguns, e ainda de modo reduzido e
incompleto.
“O termo "teologia
narrativa" é como podemos identificar não apenas identificação de Atos,
mas também dos Evangelhos. Significa que os Evangelhos segundo Mateus,
Marcos, Lucas e João e o livro dos Atos dos Apóstolos têm
um estilo, fundamentalmente, narrativo. Eles também possuem textos
poéticos, genealogias, listas, ditos de sabedoria e outros estilos, mas tudo é
colocado em um estilo narrativo. Esta narração evidencia a ação de Deus nas
pessoas, nos acontecimentos e na história. Por isso a chamamos de
"teologia narrativa”.
Sendo um livro de
teologia narrativa como os Sinóticos e João, Atos quer
valorizar alguns pontos, algumas verdades de fé e, para isso, escolhe e
faz um caminho. Dessa maneira, muita coisa ou muitos caminhos possíveis são
deixados de lado. É assim que não aparecem as ações de outros apóstolos, apesar
do título do livro ser Atos dos Apóstolos, não de todos, mas daqueles
que o autor quer tornar mais evidente.
Além disso,
comunidades ou Igrejas muito importantes quase não são lembradas, são apenas
citadas ou pouco citadas ou mesmo são ignoradas, como, por exemplo, a Igreja de
Alexandria no Egito. A Igreja de Antioquia na Síria e as Igrejas
fundadas por Paulo poderiam ser mais bem descritas no texto de Atos, mas
não o são!
Mesmo as histórias
dos "atos" de "alguns" apóstolos lá apresentadas são
limitadas. Parece que o autor valoriza alguns fatos menos importantes e deixa
de lado outros que para nós seriam muito válidos de serem contados. Por isso, é
preciso conhecer os projetos teológico e literário dos Atos dos Apóstolos.
PROJETO LITERÁRIO
DOS ATOS DOS APÓSTOLOS
Em relação ao
projeto literário dos Atos dos Apóstolos citamos:
Ensinamentos
e instruções: o livro dos Atos dos Apóstolos tem um
projeto literário que pode ser compreendido com relativa facilidade. Isso torna
a leitura das partes do texto e de todo o livro mais fácil. Atos dos Apóstolos
pode ser visto como uma tentativa literária de apresentar os ensinamentos, as
instruções, os exemplos e as ações do Espírito Santo na vida e na ação (nos
"atos") de algumas pessoas. O que sobressai nos textos são estes
elementos, o que identifica Atos como um texto de Anúncio e Catequese.
Geografia: o projeto literário dos Atos está em
continuação ao Evangelho segundo Lucas. Por isso, costuma-se identificar este
projeto como Lucas–Atos. Este conjunto sugere que os dois livros
têm afinidades, as quais são expressas pela geografia apresentada. Lucas
apresenta Jesus iniciando a pregação do Evangelho na Galileia, nos
confins da terra de Israel. Aos poucos, Jesus vai se aproximando do centro da
nação: passa pela Galileia, pela Samaria, chega à Judeia e em Jerusalém, que é
o centro, o núcleo onde tudo ocorre: sua prisão, paixão, morte e ressurreição.
Em Jerusalém ocorre o ápice da vida de Jesus, é onde começa a história
da Igreja e os atos dos que são Apóstolos. É lá que eles testemunham Jesus
deixar este mundo, depois recebem o Espírito Santo e começam a anunciar o
Evangelho. Depois de passar em Samaria e em outras regiões, chegam, com Paulo,
até "os confins da terra" (cf. Atos 1,8). O último lugar
retratado pelos Atos é Roma, o centro do mundo daquela época. Assim, o
autor de Atos está dizendo que o Evangelho está em todo mundo, pois se
está no centro do mundo, está em todo o restante!
O projeto literário
dos Atos, que se inicia em Jerusalém com os Apóstolos reunidos (Atos 1,
12–14), progride e se expande até chegar em Roma, onde Paulo pode falar
abertamente de Jesus e proclamar o Reino de Deus com liberdade (28, 30-31).
Vale lembrar que
quem lê Atos esperando encontrar a biografia dos Apóstolos ou a história
de cada um fica certamente decepcionado. Na realidade, a impressão é que a
história não teve fim: Paulo chegou a Roma, está em prisão domiciliar, fala
abertamente de Jesus e… e acabou! O que aconteceu depois? Como Paulo deixou a
prisão? Como ele encontrou o martírio? E Pedro, onde está? Desapareceu depois
do capítulo 15! É isso mesmo: o projeto literário de Atos era demonstrar
que o anúncio do Evangelho, que foi iniciado por Jesus na Galileia, chegou ao
centro, na cidade Santa de Jerusalém, lá se estabeleceu e de lá partiu para o
mundo inteiro. Como Paulo está em Roma o projeto de expansão da boa nova tem
sua conclusão do ponto de vista literário. Por isso, o texto pode ser
concluído: o Evangelho está nos confins do mundo, conforme havia sido previsto
em 1,8.
Prólogos:
os prólogos são expressões claras do projeto teológico de Lucas–Atos.
Observados com atenção, eles demonstram o desejo do autor, sua proposta e os
horizontes a que se propõe.
Prólogo de Lucas (Lc 1,1-4)
1-Muitos empreenderam
compor uma história dos acontecimentos que se realizaram entre nós,
2-como no-los
transmitiram aqueles que foram desde o princípio testemunhas oculares e
que se tornaram ministros da palavra.
3-Também a mim me
pareceu bem, depois de haver diligentemente investigado tudo desde o
princípio, escrevê-los para ti, excelentíssimo Teófilo,
4-para que conheças a
solidez daqueles ensinamentos que tens recebido.
Prólogo de ATOS (At 1,1-2)
Prólogo de ATOS (At 1,1-2)
1-Em minha primeira
narração, ó Teófilo,
contei toda a sequência das ações e dos ensinamentos de Jesus,
2-desde o princípio
até o dia em que, depois de ter dado pelo Espírito Santo suas instruções aos
apóstolos que escolhera, foi arrebatado ao céu.
Analisaremos mais profundamente os dois
prólogos. Aqui eles aparecem apenas como parte do argumento do projeto
literário de Lucas–Atos.
O prólogo de Lucas
O prólogo de Lucas (1, 1–4) evidencia
que o autor conhecia outros textos que já haviam sido escritos a respeito de
Jesus (v. 1). Certamente Lucas já conhecia o Evangelho de Marcos, que é
o primeiro Evangelho a ter sido escrito, depois da década de 60 do primeiro
século. O autor de Lucas cita as "testemunhas oculares e ministros da
palavra" (v. 2), evocando, dessa forma, uma nascente tradição
(transmissão) da palavra a respeito de Jesus e do próprio Jesus. Ele propõe
então, depois de uma adequada "investigação" (v. 3), apresentar os
fatos em ordem. Por "fatos" está referindo-se aos acontecimentos com
Jesus e os mais próximos dele. Lucas dirige seu escrito a um tal Teófilo (v.
3), o qual não se sabe quem foi. O que sobressai neste prólogo é a ideia da
exposição dos fatos "de modo ordenado", após uma "acurada"
investigação.
Prólogo de Atos
Já no prólogo de Atos (1,1–2), o autor alega que
já escreveu um livro no qual relatou fatos e ensinamentos de Jesus (v. 1), até
o dia em que, tendo determinado caminhos (mandamentos) aos apóstolos, foi
elevado às alturas perante os que Ele, Jesus, havia escolhido (v. 2). Note que
o prólogo de Atos não tem uma extensão bem determinada, sendo que alguns
o consideram até o final do capítulo 1.
O certo é que os dois prólogos estão em acordo com o projeto literário
de Lucas–Atos e deixam claro uma sequência narrativa entre um e outro.
Formam uma obra em dois volumes, claramente centrados, cada qual em um foco:
Lucas está centrado em Jesus, no que ele fez desde o início do anúncio do
Evangelho até o dia de partir deste mundo. Já o livro de Atos está
centrado nas consequências da ação de Jesus e na sequência dos fatos depois da
sua partida. E o projeto literário dá a conhecer também o projeto teológico.
TEXTO DE ATOS DOS
APÓSTOLOS
Para
conhecer o livro dos Atos dos Apóstolos é necessário lê-lo. Isso pode
parecer desnecessário de ser dito, mas é interessante como é deixado de lado.
Pode-se falar da Bíblia, explicar a Bíblia e muito mais, sem, contudo, ler o
texto bíblico. Por isso, é de fundamental importância que se faça a leitura do
texto bíblico diretamente na Bíblia.
O
livro dos Atos dos Apóstolos pode ser dividido de diversas maneiras.
Nesta unidade, seguimos uma que nos parece ser a mais conveniente, mas você
poderá encontrar outras divisões. Isso está muito ligado à tradução bíblica que
é feita e à edição da Bíblia, considerando que cada edição tem uma divisão.
Vale lembrar que isso ocorre não apenas com relação a Atos, mas a todos
os livros bíblicos.
Mais adiante
apresentaremos algumas possibilidades de divisão dos Atos. Por enquanto,
fiquemos com o modelo a seguir, o qual nos parece ser o mais adequado.
O livro Atos dos Apóstolos pode ser
dividido em quatro partes, depois do prólogo:
1, 1–2
|
Prólogo
|
1, 3–26
|
Após a ascensão
|
2,1—12,25
|
A
Igreja em torno de Pedro
|
13,1—28,31
|
A
Igreja em torno de Paulo
|
Esta é uma divisão muito básica, elementar, para uma compreensão rápida
do conjunto da obra.
A
Igreja Mãe de Jerusalém
Vamos
observar, detalhadamente, os textos que retratam o grupo que chamamos aqui de
"Igreja mãe de Jerusalém". Aquele que foi o grupo original da Igreja
e que lá, em Jerusalém, encontramos a origem de todos os movimentos posteriores
da Igreja. Para isso, vejamos os seguintes textos:
1) 1,3–26;
2) 2, 42–47;
3) 4, 1–37;
4) 5, 12–42.
Cada
um desses textos tem uma história e um conteúdo a ser analisado detalhadamente.
Eles vão formando, aos poucos, a personalidade do grupo de Jerusalém, que
começa a viver a história do seguimento do Senhor.
A
expectativa do Espírito Santo: 1,3–26
Depois do prólogo, Atos
pega um "gancho" do texto de Lucas e apresenta Jesus junto aos
apóstolos. O livro de Atos já afirma que Jesus permaneceu com os
apóstolos quarenta dias, confirmando sua mensagem e com muitas provas
aparecendo a eles. Em 1,1 eles estão em uma refeição, o que dá a entender um
momento de intimidade e franqueza. No v. 4 Jesus ordena que os apóstolos fiquem
em Jerusalém para que se cumpra o que o Pai prometeu; além disso, cita João
Batista, que, no ato do batismo, anunciava que haveria o batismo do Espírito
Santo (Lucas 3,16).
João
Batista
João
Batista é uma figura importante nos Evangelhos e aqui, em Atos, é também
lembrada. Sua importância está em ser o precursor de Jesus e dar-lhe a herança
profética. Jesus recebe de João Batista todo o ímpeto, a força e a identidade
dos antigos profetas de Israel. O texto de Atos 1,5 liga-nos às primeiras
páginas de Lucas, quando João Batista batizava.
O
Batismo de João era a declaração de identidade de quem se colocava no caminho
do Reino de Deus. Não tem qualquer coisa a ver com o Batismo cristão que hoje a
Igreja faz. Esse é para a salvação e está fundamentado em Jesus Cristo. O
Batismo de João era de conversão e de disposição para receber o Reino de Deus.
A própria ideia de "ser batizado no Espírito Santo" que se encontra
em Atos 1,5 é a referência de que será algo novo que acontecerá, fruto da ação
de Jesus.
Depois
deste anúncio do "batismo do Espírito Santo", Jesus ainda permanece
com os apóstolos. Eles perguntam-lhe se é naquele tempo que ele irá restaurar o
Reino de Israel (1,6), ao que Jesus responde, enigmaticamente: "Não vos
pertence a vós saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou em seu poder
[...]" (1,7). Com isso, pode parecer que Jesus suponha um tempo em que o
Reino de Israel, conforme nos propõe o Antigo Testamento, poderá ser restabelecido.
Ou talvez, de um modo metafórico, o Reino de Israel será a harmonia dos povos.
É difícil saber o que isso pode querer dizer.
Jesus,
contudo, anuncia mais uma vez a descida do Espírito sobre seus companheiros.
Desse modo, encontramos o versículo fundamental para a compreensão da teologia
de Atos: "[...] e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a
Judéia e Samaria e até os confins do mundo" (1,8).
Atos afirma
que neste momento Jesus é elevado para o céu e uma nuvem o oculta (1,9).
É curioso isso, pois, em Lucas 24,51, Jesus já havia sido elevado ao céu. Mas
lá parecia que foi no mesmo dia. Aqui foi depois de 40 dias.
Depois
de Jesus ser elevado ao céu aparecem dois homens vestidos de branco (1,10), os
quais questionam os discípulos: "Homens da Galileia, por que ficais ai a
olhar para o céu? Este Jesus que acaba de vos ser arrebatado para o céu voltará
do mesmo modo que o vistes subir para o céu" (1,11). Esta foi uma
teofania, ou seja, uma ação de Deus no tempo dos homens. Não podemos entender isso
senão sob o ponto de vista da fé.
Em
seguida, o grupo volta para Jerusalém. Desse modo, encontramos um texto de
fundamental importância que aborda a relação do grupo original da Igreja. Eles
vão para o chamado "cenáculo", o que quer dizer lugar onde se faz
refeições, o qual representa, tradicionalmente, o local onde Jesus fez a última
ceia, uma "sala superior". Lá estão: Pedro e João, Tiago, André,
Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago filho de Alfeu, Simão, o Zelador, e
Judas, irmão de Tiago (1,13). Além disso, o texto diz que estavam lá as
mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos (parentes) dele. E todos
eram perseverantes na oração (1,14).
O
passo seguinte é, no mínimo, curioso. Trata-se da substituição de Judas, o
traidor. Pedro toma a palavra pela primeira vez em todo o livro de Atos e
assume uma posição diferente em relação a Lucas e aos outros Evangelhos. Ele,
que era um simples pescador, aparece aqui como um homem instruído nas
Escrituras.
Em
Atos dos Apóstolos (1, 15-22), Pedro recorda que a traição a Jesus era
algo previsto, sendo que o traidor era do grupo original dos apóstolos (1,
15-17). Em seguida, conta a história da morte de Judas de um modo desconhecido
até aquele momento (1, 18-20). Em Mateus (27, 1-10), lemos algo sobre o
suicídio de Judas, mas pouco tem a ver com a narração feita aqui.
Em
seguida, Pedro exorta a pequena comunidade a recompor o número original de
apóstolos, que era doze, em função do testemunho que eles devem agora exercer.
O critério será a escolha de alguém que esteve com o grupo desde o batismo de
João até aquele dia. Desse modo, aparecem José, apelidado de Barsabás, e Matias
(1, 23). Interessante é recordar que nem um nem outro são citados nos
Evangelhos, sequer em Lucas! Mas aparecem aqui como participantes do
grupo original de discípulos de Jesus.
A
comunidade ora e lança sorte para ver quem seria o escolhido (1, 24-26). Essa é
uma prática estranha, mas parece que, sendo legitimada pela oração feita
anteriormente, ela garante que o sorteado seja o indicado pelo Senhor.
Agora
o grupo está completo e em 1,26 encontra-se a conclusão deste período:
"[...] Matias, que foi incorporado aos onze apóstolos". Assim, são
novamente doze, recordado os seguidores mais próximos de Jesus e as doze tribos
de Israel. A história agora pode caminhar e o Espírito Santo poderá vir.
O
retrato da comunidade original: 2, 42-47
Depois
da eleição de Matias para o grupo apostólico o passo seguinte é a vinda do
Espírito Santo, que será analisada mais adiante. Pedro mais uma vez toma a
liderança e acontecem muitas adesões ao grupo inicial. Esse trecho de poucos
versículos é o retrato ideal da comunidade que chamaremos de
"original", no sentido de formada pela pregação de Jesus e agora
também pela força do Espírito.
Em 2,42 encontra-se uma série de afirmações que servem de modelo ou paradigma para
praticamente todas as experiências eclesiais (de Igreja). O texto afirma que
eles (os que foram tocados pela força do Espírito) perseveravam:na doutrina (ensinamento, transmissão de conhecimentos e experiências) dos
apóstolos;nas reuniões em comum (momentos de encontro, de partilha e, sobretudo, de
escuta da Palavra, isso é, do Antigo Testamento);na fração do pão (talvez uma referência à Eucaristia ainda nas suas origens ou
a certeza de uma presença "mística" de Jesus entre eles, ao fazer
como ele fazia com o grupo quando estava na terra);nas orações (momentos de estar juntos, cantar os salmos, fazer como faziam os
judeus).
É
fundamental compreender que eles são ainda judeus fiéis que se deixaram levar
por uma nova experiência. Essa ideia está expressa em 2,47, bem no final desse
passo, no qual lemos: "E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros, que
estavam a caminho da salvação". Vai demorar ainda um tempo para que os
discípulos de Jesus e os seus seguidores compreendam que estão fazendo um
caminho diferente do Judaísmo tradicional. Será Paulo a figura decisiva para
esta compreensão que, aos poucos, vai se estabelecendo até amadurecer no final
do primeiro século.
Ainda
em 2,43 o texto nos diz que todos tinham a adesão interior ao mistério de Deus
que acontece por meio de prodígios e milagres. O texto afirma coisas que não
são contadas, pois não houve ainda tempo para isso, ou talvez o que está sendo
dito ainda acontecerá! É um resumo ou introdução do que se dará em breve que
pode apresentar algumas dificuldades de compreensão, mas que bem expressa a
situação da Comunidade de discípulos e fieis. Note-se que, ao que parece, está
tudo bem tranquilo e calmo. Ainda não começaram as contradições e perseguições
Atos
apresenta uma situação de grande beleza, ou seja:
•partilha dos
bens (2,45);
•unidade na oração e frequência ao Templo (2,46);
•refeição em comum como intimidade comunitária e como sinal fraterno e,
provavelmente, eucarístico: a fração do pão.
É claro que não há, do ponto de vista histórico da
narrativa, um conceito ou prática eucarística bem determinado, como o será já
em meados do segundo século, como indica São Justino. Mas a expressão
"fração do pão" não é isenta de uma referência implícita ao ato de
Jesus, realizado na última ceia, no qual o verbo "eucharistéo" (em grego
"dar graças" ou "fazer eucaristia") está presente e
qualifica aquela refeição como uma identidade da sua presença no grupo que a
realiza. E depois, em 2,47, o texto afirma que tudo isso era feito com o louvor
a Deus. Isso torna-os simpáticos ao povo. Lembremos que ainda são um grupo de
judeus que encontraram um motivo para estar juntos e viver momentos de ação de
graças e proximidade. A respeito de um rito eucarístico antigo, consultar: SÃO
JUSTINO DE ROMA. I Apologia. nº65,1–67,7. Este texto encontra-se em JUSTINO DE
ROMA, I e II Apologias. São Paulo: Paulus, 1995, p. 81-84.
É
em Atos 2,47 encontra-se a afirmação que de o Senhor, isto é, Jesus,
ajuntava ao grupo original da Igreja outras pessoas. Eles estavam a
"caminho" da salvação. Mais adiante o grupo será identificado,
justamente, como "caminho" (9,2).
O primeiro
testemunho: 3,1-4,37
O primeiro testemunho ou milagre que acontece
vem confirmar o grupo que foi descrito no passo anterior. É um prodígio, como
está afirmado em 2,43. Aconteceu por intermédio de Pedro, tendo João ao seu
lado.
Pedro e João iam juntos ao Templo para a oração
à "hora nona". No caminho encontram um homem coxo, isto é, aleijado
de nascença. Estava em um local conhecido e muito frequentado.
A cena é emocionante: o aleijado implora uma
esmola aos dois apóstolos; Pedro olha em seus olhos e lhe diz: "Olha para
nós" (3,4). Depois, diz-lhe: "Não tenho nem ouro nem prata, mas o que
tenho, eu te dou: em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!"
(3,6). O homem levanta-se e, subitamente, encontra-se curado. Isso cria uma
grande agitação no povo que vê e não entende (3,10). Uma multidão se forma para
ver e comentar (3,11).
A multidão serve ao propósito de Pedro: é o
momento de anunciar! Ele então atribui a cura do homem portador de necessidades
especiais (físicas) não a si, mas a Jesus que é anunciado como Santo e Justo
(3,14), rejeitado por aqueles que agora estão espantados pelo que veem. Pedro
anuncia-lhes o arrependimento como antes João Batista anunciou. Contudo, agora
o sentido está na aceitação de Jesus Cristo (3,20).
Em seguida, o livro dos Atos apresenta
Pedro argumentando com diversos elementos do Antigo Testamento e concluindo que
o "servo" Jesus foi ressuscitado por Deus para abençoar e ser libertado
da iniquidade (3,26).
Podemos então
questionar: onde Pedro encontrou tantos argumentos para anunciar Jesus Cristo?
Uma boa resposta pode ser: é que agora ele estava com o Espírito Santo! Mas
devemos também considerar que as tradições em torno à figura de Pedro puderam
acrescentar elementos que, a princípio, não podiam ser dele, um homem simples,
embora sincero e decidido. Aos poucos ele vai sendo apresentado, construído
pelo texto, como um líder, o que será determinante em passos futuros de Atos.
Pedro e João estavam
falando com o povo. Chegam os sacerdotes e outras autoridades do templo e do
partido dos saduceus, questionam o que está acontecendo e os tomam como
prisioneiros (4,3). O livro de Atos afirma, neste meio tempo, que muitos
viram o prodígio e creram no que Pedro anunciou. O número já aumentou para
cinco mil. As adesões são numerosas e o crescimento é notório. Talvez seja isso
que preocupe as autoridades que decidem intervir.
Em 4,5-6 podemos
encontrar as autoridades dos judeus, inclusive Anás, já conhecido do leitor do
Evangelho segundo Lucas, pois foi quem levou Jesus à condenação.
Pedro toma a
palavra, segundo 5,8: "Cheio do Espírito Santo", reconhece a
liderança dos que lá estão e anuncia Jesus como realizador do prodígio que os levou
até a presença daquelas autoridades (4, 10). Ao mesmo tempo as acusa da morte
de Jesus e anuncia a salvação que nele se encontra (4, 11-12).
O livro de Atos
lembra que eles se surpreendem com a coragem de Pedro e de João (que nada
disse!) e que eram sem instrução, mas que sabiam falar bem. Sabem que eram
companheiros de Jesus (4,13) e resolvem retirá-los da sala para decidir o que
fazer.
Atos não
indica quem, do grupo dos líderes judeus, assume a palavra. Eles notam
que o movimento iniciado pelos seguidores deste Jesus crucificado está tomando
corpo e o milagre que aconteceu está sendo divulgado (4,16).
Decidem proibir que
falem (4,17), talvez por julgar que são pessoas simples e que poderiam ser
intimidadas facilmente. É isso que impõem sobre Pedro e João (4,18). Mas eles
respondem com sabedoria: "Julgai-o vós mesmos se é justo diante de Deus
obedecermos a vós mais do que a Deus. Não podemos deixar de falar das coisas
que temos visto e ouvido" (4, 19-20).
As autoridades estão em dificuldades, mas
ainda subestimam a decisão de Pedro e João. Mandam embora a ambos e os ameaçam,
caso continuem a falar em nome de Jesus (4, 21).
As autoridades não encontraram motivo para
recriminá-los e ainda os veem como homens sem expressão, muito embora o povo se
admire com a cura do paralítico. Atos4,22 afirma que o tal paralítico
tinha já 40 anos, o que faz a cura ser realmente um prodígio.
Em seguida, Pedro e João retornam ao grupo dos
"irmãos" (4,23), isto é, à comunidade original, e relatam o que
ocorreu. Aqui o autor de Atos intervém fazendo a leitura dos fatos sob a
luz da teologia da salvação.
Em 4, 24-30 encontram-se palavras que são
testemunhos de conhecimento do Antigo Testamento e sua atualização na vida dos
discípulos de Jesus, considerando que ele próprio é identificado como
"santo servo" (4,27) que é perseguido e rejeitado na cidade santa de
Jerusalém.
Os textos bíblicos são a expressão amadurecida
da experiência da fé de pessoas e de comunidades. O autor de Atos quer
demonstrar, muitos anos depois dos fatos que está narrando, que os protagonistas
desses momentos têm conhecimentos que estão sendo tocados pela graça de Deus,
embora não saibam o que ainda virá.
O livro de Atos
evidencia que a comunidade original está consciente da repetição da história,
ou seja, perseguiram, caluniaram e condenaram Jesus. Agora fazem o mesmo com os
discípulos.
A comunidade pede,
então, forças para superar este momento. Certamente pressentem que serão
momentos difíceis (4,30). A resposta vem em forma de um tremor (4,31). Todos
ficaram "cheios do Espírito Santo e anunciavam com intrepidez a palavra de
Deus".
O momento de
dificuldade gerou na comunidade união e força. Em 4,32 encontra-se a afirmação:
"A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma". O texto,
depois, afirma que partilhavam seus bens e até vendiam o que tinham, colocando
o valor aos pés dos apóstolos (4,35). Antes, o texto afirma algo admirável: não
"havia entre eles nenhum necessitado [...]" (4,34).
Em 4,36-37
encontra-se a notícia que um tal José, chamado Barnabé, que o próprio texto interpreta
como "filho da consolação", um homem natural de Chipre, possuindo um campo
o vendeu e dispôs o valor aos apóstolos. Essa informação é fundamental, pois
este José Barnabé ou simplesmente Barnabé será um dos evangelizadores decisivos
na história.
Em 4,33 encontra-se
a afirmação: "com grande coragem os apóstolos davam testemunho da
ressurreição do Senhor Jesus. Em todos eles era grande a graça". Isso é
proposital da parte do autor dos Atos, pois é como se fosse a conclusão
da primeira etapa, desde a vinda do Espírito, passando pelo primeiro anúncio e
culminando com a primeira detenção dos apóstolos. Eles são confirmados no
anúncio do Evangelho e do Senhor Jesus pelo sinal que se seguiu à oração
(4,31). Agora eles devem continuar.
Afirmação da
Comunidade e novo testemunho: 5, 12-42
É
importante
enfatizar neste tópico que o texto de 5,1-11 relata o cotidiano de uma comunidade
que deve vivenciar a honestidade de suas ações, inspiradas pela retidão que vem
como dom do Espírito.
A
corrupção é um sinal de morte no interno da Igreja. O testemunho é a atitude
fundamental para a Igreja. Em função das fraquezas e tendências humanas, que Atos
dos Apóstolos apresenta em diversas páginas, a Igreja será sempre chamada a
uma vigilância sobre sua conduta, em especial a conduta que os de fora podem
ver. O tema é sempre o testemunho.
Em 5,12-16 é
afirmado que o grupo crescia e que se reunia em um local importante e conhecido
do Templo de Jerusalém, o pórtico de Salomão. Começavam a vir pessoas de outros
lugares para ver o que estava acontecendo. A multidão aumentava (5,14) e Pedro
adquiria uma grande importância: era buscado pelas curas que realizava, até com
a "sombra" projetada sobre os enfermos.
Lembremos
que o livro dos Atos deseja mostrar a continuação da obra de Jesus. Como
ele foi cercado de multidões, motivadas pelas curas operadas, assim também os
Apóstolos, especialmente Pedro, que é o líder.
Retornam à cena o sumo sacerdote (agora não identificado) e seus
partidários. Eles têm inveja (5,17) e mandam os apóstolos para a prisão. Atos
não determina quem eram estes apóstolos: se era Pedro e João ou os outros
também. Eles vão para a cadeia (5,18) e, à noite, vem um anjo de Deus que os
liberta. Parece que nada pode condicionar ou segurar o grupo dos apóstolos.
Pela manhã, eles estão novamente no Templo, ensinando (5,21).
O
grande conselho, que os Evangelhos identificam como o sinédrio, foi reunido
pelo sumo-sacerdote e demais autoridades. Eles deveriam decidir o que fazer,
mas surpreendem-se quando sabem que os prisioneiros não estão mais na cadeia e
sim fazendo aquilo que foram proibidos de fazer.
Desse
modo, eles são trazidos à presença do grande conselho, agora sem violência
(5,26). As autoridades os questionam sobre a proibição que lhes fora dada de
não falar em nome de Jesus (5,28). Segundo dizem, os apóstolos estão enchendo
Jerusalém da doutrina deste homem e, ainda mais, fazendo cair sobre eles o seu
sangue, isto é, culpando-os da sua morte.
Pedro responde com a
frase declarada anteriormente, em 4, 19-20. Ele insiste que é necessário
obedecer a Deus e não aos homens (5, 29). Além disso, faz mais um anúncio
solene a Jesus Cristo, declarando que foram eles, os sacerdotes e anciãos, quem
levaram Jesus à morte. Mas Deus o elevou (ressuscitou) dos mortos e o fez
Príncipe e Salvador.
Pedro conclui este
pequeno, mas magnífico discurso, declarando-se testemunha junto ao Espírito
Santo: "Deste fato nós somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus
deu a todos aqueles que lhe obedecem" (5,32). Este pequeno trecho de
5,29-32 talvez seja um dos mais expressivos de Atos e um dos mais concentrados
anúncios de Jesus.
A
resposta das autoridades foi muito violenta. Em 5,33, lemos: "[...]
enfureceram-se e resolveram matá-los". É neste momento que entra em cena
uma figura marcante: Gamaliel, um doutor da lei, fariseu, respeitado pelo povo
(5,34). Gamaliel pede que os apóstolos se retirem e se dirige aos membros do
grande conselho chamando-os à razão. Ele cita alguns exemplos de motins e
revoltas do passado que não deram em nada. Agora, frente a esses homens, ele
sugere cautela; ousa, inclusive, supor que o que eles representam pode vir de
Deus. Se assim for, seria ruim entrar em luta contra Deus. Mas se não for, o
movimento irá acabar naturalmente (5,38-39). Uma posição sábia e prudente que
foi aceita.
As autoridades,
mesmo aceitando o conselho de Gamaliel, açoitam os apóstolos e ordenam que não
anunciem o nome de Jesus (5,40). Desse modo, eles são soltos e sentem-se
alegres por serem dignos de sofrer pelo nome de Jesus. O livro de Atos
afirma que todos os dias continuavam a ensinar o Evangelho de Jesus, no Templo
e nas casas (5,42).
Respeitando o projeto literário de Lucas–Atos,
vamos percebendo que o mandamento de Jesus em Atos 1,8 está acontecendo
já no início: eles estão em Jerusalém, anunciando. Em breve acontecerá uma
crise e a história terá novo rumo. Serão testemunhas de Jesus em Jerusalém, o que
já são, depois até os confins da terra.
É
importante
notar que as ações dos Apóstolos acontecem pela força do Espírito. Se Jesus era
o "ator principal" dos Evangelhos agora é o Espírito Santo que age.
Além disso, veremos a sequência destes episódios na primeira grande crise da
Igreja: a morte de Estêvão.
TEOLOGIA
DOS ATOS DOS APÓSTOLOS
Observe, mais detalhadamente, a teologia dos
atos dos apóstolos:
A eleição e a Aliança de Deus com Israel e com
os pagãos
Atos dos Apóstolos é um texto no qual o que sobressai é o testemunho. Já no
início encontra-se a afirmação diversas vezes recordada aqui:
"[...] e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e
Samaria e até os confins da terra" (1,8). Este tema é recorrente em todas
as páginas do livro, na medida em que elas descrevem a expansão do Evangelho,
primeiro entre os judeus, depois entre os pagãos. É neste ponto que Atos
apresenta seu acento teológico.
Sendo um texto testemunhal, Atos aponta
para algo que está sendo demonstrado. A Aliança é um conceito sempre presente
em Atos dos Apóstolos, embora nem sempre apareça a palavra que a identifica.
Mas a ideia é esta: a Aliança feita com Israel chega a sua plenitude com Jesus,
e disso a Igreja é testemunha. Essa Aliança não se fecha com os judeus,
descendentes dos Patriarcas e povo dos Profetas, ela prossegue em direção aos
pagãos. Assim, a Aliança feita com os Pais (os fundadores de Israel) é
extensiva aos pagãos que se tornam também povo de Deus. Vamos compreender
melhor.
A divisão do texto
Está muito claro em Atos,
pela divisão do texto, que é uma divisão pragmática, que o autor deseja
demonstrar o argumento por meio de uma estrutura específica. A primeira grande
parte, capítulos 1-12, centrada em Pedro, destaca o anúncio do Evangelho e seu
crescimento entre os judeus. A segunda parte, capítulos 13-28, centrada em
Paulo, destaca o anúncio aos pagãos.
Há inserções de
textos importantes para a evangelização dos pagãos na parte que destaca o
anúncio aos judeus, certamente para preparar o argumento seguinte, relativo aos
pagãos.
Por conta desta
espécie de "compromisso" literário de demonstrar o anúncio aos judeus
e depois aos pagãos, alguns estudiosos propuseram algumas teorias:
•
Atos
seria obra de dois autores, cada um expondo
uma vertente da evangelização e aceitação. Um autor propõe a vertente
"petrina" (relativa a Pedro); outro autor propõe a vertente
"paulina" (relativa a Paulo). Ambas devem ser harmonizadas, por isso
encontram-se convergências.
•
Atos
seria uma obra de harmonização entre os
cristãos de origem judaica ou mais tradicionais e os de origem pagã.
Isso facilitaria a expansão do Evangelho entre os pagãos, mas garantiria a
origem judaica da mensagem de Jesus Cristo e das primeiras gerações de
discípulos.
•
Atos
seria um texto puramente ideológico que tentou
unir duas tendências irreconciliáveis (o Cristianismo de origem judaica
e o de origem pagã). Esta unidade nem sempre foi clara na prática e o texto
expressa, do seu modo, esta dificuldade.
Os dois Pentecostes
Outra evidência da
eleição e Aliança dupla, isto é, com os judeus e com os pagãos, encontra-se no
relato dos "dois Pentecostes". O "primeiro" Pentecostes é o
mais conhecido e comentado. Está em 2, 1-13.
Aconteceu na manhã
do dia de Pentecostes, uma festa judaica que era comemorada aos cinquenta dias
da Páscoa. Trata-se da vinda do Espírito Santo aos apóstolos e demais
discípulos, com Maria. Segue-se a este fato muito marcante o discurso de Pedro à multidão, em 2, 14-36, quando ele expõe o anúncio de Jesus de Nazaré
como plenitude da Aliança: "Que toda a casa de Israel saiba, portanto, com
a maior certeza de que este Jesus, que vós crucificastes, Deus o constituiu
Senhor e Cristo" (2,36).
O
"segundo" Pentecostes é bem mais modesto, sem a grandiosidade do
primeiro, mas igualmente significativo. Pedro tem uma visão (10, 9-16) na qual
aparecem animais diversos que ele devia matar para comer. Sendo judeu ele tem
diversas restrições alimentares e, por isso, responde, na visão, que não toma
nada "impuro", dizendo com isto que o judeu toma é puro, e o que fica
fora disto e do Judaísmo é impuro. Mas a visão insistia que Pedro tomasse
alimento de modo normal.
Em seguida a esta
visão, chegam pessoas que pedem a Pedro que visite um romano chamado Cornélio,
em Cesareia. Esta cidade costeira foi erguida por Herodes, o Grande, em homenagem
a Júlio Cesar. Era uma cidade acentuadamente pagã. E Cornélio é um romano, um
pagão. Pedro é dirigido até a casa de um pagão.
Pedro vai até lá e é muito bem recebido por
Cornélio e outros que esperam alguma palavra do apóstolo. Entrando na casa do
romano, um pagão, impuro para os judeus, Pedro anuncia Jesus Cristo e os que lá
estavam recebem também o Espírito Santo. É o que se lê em 10,44-46. São apenas
dois versículos, mas provocam uma grande mudança.
Pedro se pergunta:
"Porventura se pode negar a água do batismo a estes que receberam o
Espírito Santo como nós? E mandou que fossem batizados em nome de Jesus
Cristo" (10,47–48). Começa assim a presença dos pagãos na Igreja.
Os diáconos e
Estêvão
Outro momento
marcante da ideia de que os pagãos também têm acesso à eleição e à Aliança
podemos encontrar no texto em que fala da escolha dos diáconos.
É importante notar aqui que são
sete os diáconos (6,5-6) e todos têm nomes gregos. Seguramente eram de origem
pagã, o que é bem claro no caso de Nicolau, chamado "prosélito" de Antioquia.
Os demais são "helenistas", isto é, judeus de cultura grega que estão
agora em Jerusalém ou na Judeia. Eles são escolhidos para formar um grupo
específico: o dos servidores das mesas, algo como organizadores da comunidade.
O momento decisivo para eles foi o da morte de Estêvão, antecedida pela
sua prisão e interrogatório (6,8–7,60). Ele não era do grupo dos Doze, o grupo
original dos Apóstolos, mas sim do grupo dos diáconos, e é o primeiro mártir.
Representa, portanto, todos os que seguem a Jesus como discípulos sem o terem
conhecido pessoalmente. Em sua defesa e em seu martírio, Estêvão demonstra
grande destemor e decisão, como pode ser lido em 7,1-60.
Atos menciona
pela primeira vez, no final do martírio de Estêvão, a presença de Saulo ou
Paulo (7,58; 8,1). Essa súbita aparição e proximidade do primeiro mártir ou
testemunha, Estêvão, e de Paulo, apóstolo dos pagãos, é significativa e aponta
para a futura situação: o anúncio aos não judeus, aos pagãos. Eles também são
escolhidos por Deus, o que Paulo irá constantemente argumentar na segunda
grande parte dos Atos. Por isso, a eles também é dirigida a Aliança.
Por dirigir-se aos não judeus, Paulo é quem mais
evidencia a eleição também dos pagãos e a Aliança feita também com eles.
Encontra-se em 1 Coríntios 1,22-23 a afirmação:
Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam
sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e
loucura para os pagãos, mas para os eleitos — quer judeus quer gregos — força
de Deus e sabedoria de Deus.
Também na carta aos romanos, Paulo insiste
muito na eleição e Aliança com os pagãos, como em 1,3-7:
[...] Jesus Cristo, nosso Senhor, descendente
de Davi quanto à carne, que segundo o Espírito de santidade foi estabelecido
Filho de Deus no poder por sua ressurreição dos mortos, e do qual temos
recebido a graça e o apostolado, a fim de levar, em seu nome, todas as nações
pagãs à obediência da fé, entre as quais também vós sois os eleitos de Jesus: a
todos que estão em Roma, queridos de Deus, chamados a serem santos: a vós, graça
e paz da parte de Deus nosso Pai e da parte do Senhor Jesus Cristo!
Vejamos mais de perto as teofanias do Espírito
Santo, os dois pentecostes: entre os judeus em 2,1-13 e entre os pagãos em
10,44-48. “Teofania significa
manifestação de Deus, também pode ser sinônimo de Epifania. É um encontro do
ser humano com a divindade. Os relatos de teofanias ou epifanias (aqui são
usados como sinônimos) são sempre possíveis com metáforas e imagens aproximativas.
A teofania/epifania é uma experiência muito marcante, pessoal, difícil ou
impossível de ser traduzida em palavras precisas. Por isso o que é usado nos
relatos de teofania/epifania são sempre as comparações e os símbolos.”
Atos 2,
1–13
Para o estudo deste tópico, é importante que você leia Atos
2,1–13. O texto inicia com a afirmação do tempo (2,1). Pentecostes era a
celebração que ocorria cinquenta dias após a Páscoa e estava ligada à renovação
da Aliança do Sinai. É neste sentido que ocorre a vinda do Espírito: a nova
Aliança. O texto também afirma que eles estavam reunidos no mesmo lugar, o que
faz referência implícita ao texto anterior. Em 1,13 encontramos a indicação de
que, depois da ascensão de Jesus, eles dirigiram-se para "a sala de
cima", onde costumavam ficar. O texto propõe a Igreja reunida para um
grande acontecimento.
Em 2,2 inicia-se a
teofania do Espírito. São vários os elementos implicados: ruído, vento impetuoso,
línguas de fogo repartidas sobre cada um (2,3). Assim, Atos descreve a
vinda do Espírito, considerando que este é, sem dúvida, um momento fundamental
e decisivo. Todos recebem o dom do Espírito, como o texto em seguida afirma
(2,4). A consequência imediata disso é que todos falam em outras línguas (2,4),
o que desperta a atenção dos que estão de fora.
Vale lembrar que
estas línguas ainda não estão definidas e não há um motivo claro de por que
eles as falam. Atos precisa introduzir ainda este tema e o faz
informando aos leitores que havia gente de todos os lugares, reunida em
Jerusalém para a festa de Pentecostes.
Em 2,5 Atos inicia a descrição
afirmando que havia judeus piedosos de todas as nações que há debaixo do céu. O
versículo seguinte não tem continuidade com o precedente, mas forma o quadro do
que virá depois. Ele afirma que muitos ouviram o ruído e, por isso, houve aglomeração,
e todos estavam maravilhados com o que viam (2,6).
É
aqui que
começa a descrição da admiração destes judeus piedosos de todos os lugares
(2,5) e de toda gente que havia se reunido (2,6), maravilhados. Atos
apresenta esta admiração em uma estrutura em sequência. Em primeiro lugar, uma
pergunta retórica, em 2,7: "Não são, porventura, galileus [...]?"
Depois, a admiração de que falem em sua (de quem ouve) própria língua materna
(2,8). Aqui começa a descrição dos povos lá presentes, considerando que em
2,9-10 Atos descreve praticamente todos os povos presentes próximos da Judeia
e que têm alguma importância na organização do Império Romano.
Dois elementos importantes estão em 2,11:
"judeus ou prosélitos". Judeu é quem segue o Antigo Testamento, e
deste grupo vinham todos os que lá estavam. Prosélitos são os pagãos que aderem
ao Judaísmo voluntariamente.
Vale
ressaltar que há em todo o texto da vinda do Espírito em Pentecostes, certa
tensão entre os que vêm de fora da Judeia, mas que não são identificados como
"pagãos", também porque não haveria motivo para estarem em Jerusalém
naquela ocasião, exceto a festa religiosa de Pentecostes. Mas se eles têm este
motivo, então são judeus. Em 2,5 Atos alega que são "judeus piedosos",
o que não quer dizer, a princípio, judeus fiéis, membros de partidos religiosos
estabelecidos. Podem ser também "prosélitos", como se afirma em 2,11.
O mais importante
aqui é que a vinda do Espírito é o antítipo de Babel. Em Gênesis 11,1-9
encontra-se a imagem da confusão das línguas, motivada pela ambição de chegar
aos céus (11,4) e de identificar-se com Deus.
Os lugares altos,
especialmente montanhas, foram, desde tempos imemoriais, lugares de encontro
com Deus. Se o próprio ser humano faz o lugar alto, então ele mesmo pode ser
seu deus. Ora, este não é o caminho para o Deus da Aliança que em breve, no
relato de Gênesis, será introduzido (com Abrão, no capítulo 12 em diante).
Assim, Pentecostes é
o contrário (o antítipo) de Babel: lá houve a confusão, pela ambição e
arrogância; aqui há o maravilhar-se com o fato inesperado da compreensão da
mensagem do Evangelho e a consequente comunhão com as línguas que transmitem o
mesmo conteúdo. É importante notar que não se fala em uma língua única, mas são
diversas e diferentes línguas que falam das maravilhas de Deus (2,12).
Concluindo a
sequência, Atos reforça a situação de surpresa e admiração com mais uma
pergunta vinda dos que lá estavam: "Que significam estas coisas?" E,
para completar o quadro com uma possível afirmação cômica, alguns escarnecem:
"Estão todos embriagados de vinho doce" (2,13).
Essa teofania tem
sua importância localizada como abertura dos Atos. Indica que se iniciou
o tempo do Espírito e serve como modelo de outros momentos que se darão, da
mesma forma, com a vinda do Espírito. Inclusive na sequência a seguir
analisada.
Atos 10,44-48
Para o estudo deste tópico, é importante que você leia Atos 10,
44-48. Nesta pequena passagem não há uma grandiloquência como no Pentecostes do
capítulo 2. Aliás, estes versículos quase nem são destacados na maioria das
traduções bíblicas. Contudo, este é um passo importante, pois é a abertura para
o mundo pagão.
Quem está falando é Pedro. Ele está no meio de
sua catequese sobre Jesus e o Evangelho que ele veio trazer. Subitamente o
Espírito Santo desce sobre os que o ouvem. Atos indica que eles estavam
ouvindo a palavra, entenda-se a palavra da boa nova, e o Espírito Santo
"desceu" sobre os que ouviam esta palavra.
O Espírito Santo "desce" como dom
dos céus ou do Deus que está nos céus. Pedro, imediatamente antes da
manifestação do Espírito Santo, falava sobre a necessidade de proclamar a todos
o Evangelho e dar testemunho (10,42): este é o projeto de atos dos Apóstolos.
Assim, o texto do "Pentecostes dos pagãos" é a aplicação do mandado
de 1,8: testemunhar em todos os lugares o Evangelho.
O "Pentecostes dos pagãos"
acontecerá apenas em 10,44. Os versículos seguintes são a surpresa e admiração
dos judeu-cristãos pela vinda do Espírito sobre os pagãos (10,45-46) e a
decisão de Pedro em batizar os que já haviam recebido o Espírito Santo (10,47)
como eles. Este se refere aos judeus, os circuncidados. Os que acabaram de
receber o Espírito Santo e serão batizados não serão, contudo, previamente circuncidados,
como se pode entender de 10,48.Eles serão batizados e, em seguida, pedirão que
Pedro fique com eles por alguns dias, certamente para mais instruções a
respeito do que acabaram de vivenciar.
Esse momento, que parece tão simples em uma
primeira leitura, tem uma notável e decisiva importância, pois inaugura a presença
de não judeus no grupo dos discípulos de Jesus. E mais, eles recebem também o
Espírito Santo. Esta será, em breve, a situação que irá causar crise e até
divisão da Igreja.
REFERÊNCIA
CARVALHO, Luiz Edgar de. Atos dos Apóstolos
e cartas: texto para leitura, estudo e reflexão. Disponível em:
<http://www.scribd.com/doc/2905408/ATOS-DOS-APOSTOLOS-E-CARTAS>. Acesso
em: 28 maio 2011.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BERGER,
K. As formas literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998. (Coleção
Bíblica Loyola, nº 23).
BÍBLIA
DE JERUSALÉM. Atos dos Apóstolos. Introdução. São Paulo: Paulus, 2006.
BÍBLIA
DO PEREGRINO. Atos dos Apóstolos. Introdução. São Paulo: Paulus, 2002.
BÍBLIA.
Atos dos Apóstolos. Introdução. Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.
COMBLIN,
J. Atos dos Apóstolos. Petrópolis: Vozes/São Bernardo do Campo: Imprensa
Metodista/São
Leopoldo: Sinodal, 1988.v. 1 (Coleção Comentário Bíblico).
FABRIS,
R. Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991. (Coleção Bíblica Loyola, nº 3).
FABRIS,
R.; MAGGIONI, B. Os Evangelhos (II). São Paulo: Loyola, 1995.
VV.AA.
Uma leitura dos Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1983.(Coleção Cadernos
bíblicos, nº 19).
Apostila
Atos dos Apóstolos – Prof. Ms. Mauro Negro- Centro Universitário Claretiano.
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2ªParte em breve
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